terça-feira, 5 de agosto de 2014

A CIGANA

Aqui na cidade de Santa Isabel, lugar famoso é a praça da bandeira; principal ponto de encontro da cidade. Antigamente, aos fins de semana, tinha fanfarra que se apresentava no coreto e pais de família levavam seus filhotinhos para apreciar a boa música e para ver o chafariz que fazia uma performance com movimentos de água e luz.

A praça era tão querida e tão privilegiada que, político que estivesse no poder e quisesse ser reeleito, tinha que, no final do mandato, fazer uma “reforma” na praça. Desta forma, muitos votos seriam conquistados com certeza.

Mas, de uns tempos pra cá, a praça que era tão bem quista, tem dado lugar a algumas figuras um pouco excêntricas. Mendigos de outras cidades têm achado ali um bom lugar para fazer habitação. O mau cheiro e a falta de segurança espanta outros transeuntes. Há também figuras curiosas, como os anciãos da cidade, que se reúnem nos bancos para fazerem rolo e contar sempre as mesmas histórias de bolor. Outro tipo de personagem curioso que tem aparecido ali são as ciganas, que não perdem a oportunidade de “ver o destino na palma de sua mão.”

Um dia desses, passando rapidamente pela praça, uma cigana me abordou. Baixinha, com uma camisa amarela ouro e uma saia vermelha desbotada, cheia de colares e anéis e alguns dentes faltando na boca, me perguntou se eu acreditava em destino. Respondi que dependia da situação, mas que na maioria das vezes, não acreditava. O que aconteceu depois me deixou com a pulga atrás da orelha...

A cigana pediu permissão para ler minha mão, que não cobraria nada por aquele “favor”, era só para me fazer acreditar que o destino realmente existia. Relutante, eu disse que estava com pressa, que não tinha tempo para aquele tipo de bobagens. A cigana então começou a balançar a saia e colocou suas mãos em um dos pedaços desbotados; havia ali um pequeno bolso, de onde ela tirou uma moeda. Seu rosto queimado do sol estava agora com um tom dourado e seu sorriso falho agora tinha um tom mais amarelado. Era uma moeda grande e de ouro!

“Onde essa mulher aparentemente muito humilde foi arrumar uma moeda de ouro tão bonita e tão grande assim?” – me questionei em pensamento. A mulher então estendeu a mão, como se pedisse a minha. Estiquei minha mão e a cigana colocou a moeda de ouro na minha palma. Pediu para que eu fechasse a mão e a colocasse para trás. Balbuciou algumas palavras em quase silêncio, deu uns três ou quatro pulinhos sem sair do lugar e pediu que eu abrisse a mão em que ela havia colocado a moeda. E... para minha surpresa... a moeda de ouro... havia DESAPARECIDO!

Naquela mesma hora, comecei a estremecer e como minha mão estava esticada, com certeza, a cigana percebeu, porém continuou com seu rosto sereno:

             – E agora? Onde está minha moeda? Você tem outra dessa para me ressarcir? – indagou ironicamente a baixinha.
           
            Engoli em seco a saliva e meneei a cabeça em tom negativo.

            – Não tenho nada parecido com isso que você tinha, respondi com tom entristecido.  – A única coisa de valor que tenho aqui no bolso são esses cinco reais que estava guardando para comer algo no almoço. Isso paga pela sua moeda desaparecida?

 – Claro que não! – respondeu sarcasticamente a cigana –, mas não precisa me pagar, já está pago! Fiz você acreditar no destino!

Sorri aliviado, mas complementei a ela que não seria uma moeda sumida que me faria acreditar nela.

 – Ainda não acabou – ela respondeu convencida. Você disse aí que está com uma quantia para se alimentar, não é? Então faça o seguinte: Vá até aquela pastelaria ali da esquina e peça um pastel de carne para comer. Essa é a última coisa que te peço e então lhe deixo em paz para acreditar ou não nas evidências do destino!

Como já estava constrangido pelo sumiço da moeda da cigana, resolvi obedecê-la só aquela vez. Despedi-me e caminhei em direção à pastelaria indicada pela mulher. Sentei num banco próximo ao balcão. Pedi que a atendente me desse uma daqueles pastéis expostos na estufa, mas ela, com um semblante familiar que me fazia lembrar um pouco o da cigana que acabara de me abordar, insistiu para que eu esperasse dois minutinhos, pois uma nova leva de pastéis quentinhos estava saindo.

Esperei os dois minutinhos enquanto ia molhando as ideias com uma soda gelada.

– Qual é o sabor que você vai querer? – perguntou sorrindo a atendente.

Uma voz emanava na minha mente e me fez responder sem pensar: carne!

Com as mãos envoltas em luvas, a atendente pegou o pastel mais douradinho daquela leva e entregou em minhas mãos. Depois, deu de costas e entrou em outro compartimento da pastelaria.

Sozinho naquela pastelaria pouco iluminada eu então dei uma dentada com todo gosto naquele pastel! Estava faminto! O destino novamente mostrou sua face naquele momento. Assim que meu rosto se aproximou do pastel para dar-lhe a segunda mordida pude constatar: Adivinhe, querido leitor, o que havia dentro daquele pastel?

Sim, o destino cumpriu seu papel! Porque quem senão ele para me mostrar que dentro daquele pastel de carne douradinho poderia haver outra coisa que não fosse... carne! Muita carne mesmo!
Rafael D. Menali

05/08/2014

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