Aqui na cidade de Santa Isabel,
lugar famoso é a praça da bandeira; principal ponto de encontro da cidade.
Antigamente, aos fins de semana, tinha fanfarra que se apresentava no coreto e
pais de família levavam seus filhotinhos para apreciar a boa música e para ver o chafariz que fazia uma
performance com movimentos de água e
luz.
A praça era tão querida e tão
privilegiada que, político que estivesse no poder e quisesse ser reeleito,
tinha que, no final do mandato, fazer uma “reforma” na praça. Desta forma, muitos votos
seriam conquistados com certeza.
Mas, de uns tempos pra cá, a
praça que era tão bem quista, tem dado lugar a algumas figuras um pouco
excêntricas. Mendigos de outras cidades têm achado ali um bom lugar para fazer
habitação. O mau cheiro e a falta de segurança espanta outros transeuntes. Há
também figuras curiosas, como os anciãos da cidade, que se reúnem nos bancos
para fazerem rolo e contar sempre as mesmas histórias de bolor. Outro tipo de
personagem curioso que tem aparecido ali são as ciganas, que não perdem a
oportunidade de “ver o destino na palma de sua mão.”
Um dia desses, passando
rapidamente pela praça, uma cigana me abordou. Baixinha, com uma camisa amarela
ouro e uma saia vermelha desbotada, cheia de colares e anéis e alguns dentes
faltando na boca, me perguntou se eu acreditava em destino. Respondi que
dependia da situação, mas que na maioria das vezes, não acreditava. O que
aconteceu depois me deixou com a pulga atrás da orelha...
A cigana pediu permissão para ler
minha mão, que não cobraria nada por aquele “favor”, era só para me fazer
acreditar que o destino realmente existia. Relutante, eu disse que estava com
pressa, que não tinha tempo para aquele tipo de bobagens. A cigana então
começou a balançar a saia e colocou suas mãos em um dos pedaços desbotados; havia ali um pequeno bolso, de onde ela tirou uma moeda. Seu rosto queimado do
sol estava agora com um tom dourado e seu sorriso falho agora tinha um tom mais
amarelado. Era uma moeda grande e de ouro!
“Onde essa mulher aparentemente
muito humilde foi arrumar uma moeda de ouro tão bonita e tão grande assim?” – me
questionei em pensamento. A mulher então estendeu a mão, como se pedisse a
minha. Estiquei minha mão e a cigana colocou a moeda de ouro na minha palma.
Pediu para que eu fechasse a mão e a colocasse para trás. Balbuciou algumas
palavras em quase silêncio, deu uns três ou quatro pulinhos sem sair do lugar e
pediu que eu abrisse a mão em que ela havia colocado a moeda. E... para minha surpresa... a
moeda de ouro... havia DESAPARECIDO!
Naquela mesma hora, comecei a
estremecer e como minha mão estava esticada, com certeza, a cigana percebeu,
porém continuou com seu rosto sereno:
– E agora? Onde está minha moeda? Você tem
outra dessa para me ressarcir? – indagou ironicamente a baixinha.
Engoli em
seco a saliva e meneei a cabeça em tom negativo.
– Não tenho
nada parecido com isso que você tinha, respondi com tom entristecido. – A única coisa de valor que tenho aqui no
bolso são esses cinco reais que estava guardando para comer algo no almoço. Isso
paga pela sua moeda desaparecida?
– Claro que não! – respondeu sarcasticamente a
cigana –, mas não precisa me pagar, já está pago! Fiz você acreditar no
destino!
Sorri aliviado, mas complementei
a ela que não seria uma moeda sumida que me faria acreditar nela.
– Ainda não acabou – ela respondeu convencida.
Você disse aí que está com uma quantia para se alimentar, não é? Então faça o
seguinte: Vá até aquela pastelaria ali da esquina e peça um pastel de carne
para comer. Essa é a última coisa que te peço e então lhe deixo em paz para
acreditar ou não nas evidências do destino!
Como já estava constrangido pelo
sumiço da moeda da cigana, resolvi obedecê-la só aquela vez. Despedi-me e
caminhei em direção à pastelaria indicada pela mulher. Sentei num banco próximo
ao balcão. Pedi que a atendente me desse uma daqueles pastéis expostos na
estufa, mas ela, com um semblante familiar que me fazia lembrar um pouco o da
cigana que acabara de me abordar, insistiu para que eu esperasse dois
minutinhos, pois uma nova leva de pastéis quentinhos estava saindo.
Esperei os dois minutinhos
enquanto ia molhando as ideias com uma soda gelada.
– Qual é o sabor que você vai
querer? – perguntou sorrindo a atendente.
Uma voz emanava na minha mente e
me fez responder sem pensar: carne!
Com as mãos envoltas em luvas, a
atendente pegou o pastel mais douradinho daquela leva e entregou em minhas
mãos. Depois, deu de costas e entrou em outro compartimento da pastelaria.
Sozinho naquela pastelaria pouco
iluminada eu então dei uma dentada com todo gosto naquele pastel! Estava
faminto! O destino novamente mostrou sua face naquele momento. Assim que meu
rosto se aproximou do pastel para dar-lhe a segunda mordida pude constatar: Adivinhe,
querido leitor, o que havia dentro daquele pastel?
Sim, o destino cumpriu seu papel!
Porque quem senão ele para me mostrar que dentro daquele pastel de carne
douradinho poderia haver outra coisa que não fosse... carne! Muita carne mesmo!
Rafael D. Menali
05/08/2014
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